sábado, 14 de dezembro de 2013

Sexualidade e Feminilidade no Ocidente: O Erotismo e seu tabu na religião e na História da Arte. - Parte 1.


Breve introdução:

              O universo feminino sempre foi um terreno fascinante e bastante perigoso para se pisar seja lá de qual gênero pertençamos.  Ainda mais quando visto do ponto de vista erótico e religioso. Elementos que o mundo da arte se valeu durante muitos séculos para representar o universo feminino e seus mistérios são totalmente diferentes do que vemos hoje na contemporaneidade onde as tensões voltam-se para uma autonomia libertária feminista inclusive de sua própria ideia de gênero em encontro à questões cada vez mais sociais e politicas. A mulher moderna e principalmente a artista moderna não precisa mais ser representada segundo as perceptivas masculinas que inevitávelmente sempre carregaram os vícios do patriarcalismo sobre o falso ideal romântico. 

Mas é inevitável que tenhamos que trilhar todo este caminho. ao menos dentro de nossa visão ocidentalizada. Mas aqui parecerá perceptível mesmo na visão ocidentalizada, seus elementos parecem surgir mais além do oriente. Mas não irei tão longe de meus limites, mais do que já estou indo.  Então caminhemos:
Eugène Ferdinand Victor DelaCroix
 Sexualidade e religiosidade na arte: fuga de Medéia ao encontro de Gaia.

Paul Cézanne
              No mito de Medéia, sua astucia em planejar a fuga, principalmente matando o próprio irmão para cumprir o intento. Assim como, antes disso, ela ajuda Jasão a reclamar o Velo de ouro, nos parece simplificar por demais sua faceta que culminará num suposto descontrole emocional. Mas sabemos que tal mito é muito mais do que isso. Se em Eurípedes, Medéia é vista como fria e calculista; carregada por um desejo de vingança, Isabelle Stengers nos desvela uma Medéia que vai evocar a voz feminina nas artes. Um grito que nos remete aos pré-socráticos. Onde o elemento feminino é carregado de pureza, sexualidade e fertilidade. Se o elemento religioso sempre esteve presente como mecanismo castrador das artes, a mulher em gênero sofre interditos mais graves e em muitas vezes estes interditos não foram mediados única e explicitamente pela instituição religiosa, mas pela própria sociedade como um todo que vai refletir em sua formação cultural. Resultado de um sistema patriarcal fundado por estas mesmas bases religiosas. A própria Bíblia começa sua história da humanidade acusando a mulher de cometer o primeiro pecado. O chamado pecado original. E o pior: ela induziria o primeiro homem da humanidade a cometer este pecado. Eis o que a religião moderna como um sintoma do patriarcado produz como símbolos através de sua iconografia.

Gaia (ou Géia) é o elemento de retorno e reivindicação da expressão feminina no mundo contemporâneo. Uma sexualidade simbolizada que vai em rota de colisão aos interditos canônicos remetidos ao monoteísmo cristão. Vemos então na pintura de Anselm Feuerbach (1829-1880), Gaia uma certa aura de  pureza, sexualidade e fertilidade. Repleta de sensualidade metafísica, mas ao mesmo tempo, nos remete a maternidade. Deusa da mitologia grega é mãe-terra. Potência latente, porém colossal dada força geradora de todos os elementos. Em quase toda mitologia ela aparece com esta mesma força e elementos de representação. Sua simbologia estritamente ligada à fertilidade, nisso emana um poder sexual que vai gerar todas as coisas. Primeiro elemento gerado do caos. É também aquela que vai criar a harmonia sobre todos os outros elementos, por isso é também remetida à maternidade. Maternidade e sensualidade parecem estar bem representadas nesta pintura de Feuerbach. Os seios e o anjo infanto, parecem aproximar Gaia da maternidade, assim como seu corpo parece se oferecer em erotismo ao expectador em uma espécie de procedência do sagrado pelo âmbito profano na existência terrena.

  São Sebastião: A figura masculina cuja iconografia se perde entre o sagrado e o profano no tabu da igreja católica.

              Como bem sabemos, a religião é carregada de sacrifícios e sexualidades. Por si só o interdito que impede o explicito na sexualidade é quebrado pelo sacrifício devido a sua violência.   Um exemplo disso é a iconografia de São Sebastião. Seu vulto histórico mistura-se com o da sua mitologia. Eis uma das versões de sua figura histórica:
  Nascido em Narvonne, França, no final do século III, mudara-se com seus pais Milão onde crescera e recebera educação. Cristão por influencia da mãe, fora alistado pelo pai nas legiões do Imperador romano Diocleciano onde conquistou o posto de capitão de sua guarda pessoal . Quando descoberta a sua fé cristã o imperador na qual tinha muita estima por ele ordenou que ele renunciasse ao cristianismo. Sebastião manteve-se fiel a sua fé e então o imperador ordenou que o executasse. Amarrado a um tronco e totalmente despido Sebastião foi executado com uma chuva de flechas e deixado para morrer por sangramento de seus ferimentos. O que não aconteceu. Fora resgatado e cuidado seus ferimentos por uma mulher conhecida Irene (posteriormente canonizada). Possivelmente mulher do mártir Castulo. Ao se recuperar Sebastião foi ter com o imperador e acusá-lo de inimigo do cristianismo no fim foi então executado por espancamento.

              Assim como tantos mártires do cristianismo Sebastião optou pela morte que renunciar a sua fé. Se o sacrifício exige a transgressão em si a própria negação desses mártires em não seguir uma norma é também a quebra desse tabu. A bíblia é repleta desses paradoxos.  Na vida também: não é a toa que determinados grupos vitimizados por intolerâncias sejam elas raciais, sexuais ou até mesmo religiosas (de outras religiões e principalmente as politeístas) "canonizam" dentro de sue grupo alguns desses santos e não necessariamente sendo santo, mas que de alguma forma passara por algum tipo de martírio (podemos citar a história ainda obscura de Zumbi.).  No mundo contemporâneo vemos a inversão desses tabus. Principalmente no que diz respeito à sexualidade e a religiosidade. É o que foi o caso da artista Márcia X que teve seu trabalho retirado da exposição no CCBB do Rio de janeiro em 2006 e que irei abordar mais a frente. Ou seja, é a igreja, como sistema vigente de valores, que passa a ser questionada pela arte, ainda que de forma subjetiva, através do erotismo que vai mexer nas estruturas desses interditos.
  A arte, antes disso, serviu durante muito tempo a igreja, mas em sua simbologia podemos perceber aspectos sutis de erotismo. Se a igreja percebia esses símbolos, remetia-os ao sagrado. É o que Bataille vai dizer em seu livro O Erotismo“a religião comanda essencialmente a transgressão dos interditos.”(p.41). A arte então, em seu serviço a igreja estaria se rebelando ainda que de forma sutil?

              De volta à figura de São Sebastião, podemos perceber em sua imagem um erotismo carregado. Retratado por vários artistas e até mesmo perceptível tal erotismo em alguns santinhos distribuídos popularmente pelas igrejas católicas de várias cidades e inclusive no Rio de Janeiro. Sua imagem sugere um corpo masculinizado cujo foco sexual se encontra no movimento de seu ventre e de suas faces andróginas que atraem de certa maneira tanto o expectador masculino quanto o feminino. O mais contemporâneo Sebastião pode ser visto na galeria Cândido Portinari na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Lá encontraremos o quadro Sebastião na exposição (figura logo abaixo à direita) "What about tomorrow" do artista Angelo Volpi. Pintado à óleo o quadro parece ser uma intervenção, mas pintado pelo próprio artista ele é uma apreensão de toda a icnologia que este santo carregou através dos tempos.  Sua jovialidade angelical é harmoniosa para olhos cuja a visão ocidental fora condicionada a conceber a ideia do belo caucasiano (quadro à esquerda). Não é a toa que seu ícone é uma das referencias do movimento gay. Na pintura de Angelo Volpi atributos tecnológicos e a tatuagem em seu corpo, além de reforçar sua sensualidade mais atuante, invoca um ar de desprendimento jovial. Vale apontar que este quadro foi feito especialmente para a exposição na galeria Cândido Portinari, no Rio de Janeiro.
Este é o sebastião de Angelo Volpi.
              Além disso, no âmbito religioso, percebemos em sua face em sua grande maioria das vezes em que é retratada, uma expressão de total resignação ao sacrifício e outras vezes como em êxtase. Mas sempre estas faces voltadas para o céu. Talvez aí esteja o fato de a igreja permitir uma iconografia cuja dor tornar-se prazer pelo sacrifício da redenção. A transcendência da carne para o espiritual em sua forma mais violenta. É o que vai garantir a continuidade da fé pela morte e sobrevivência dela despertando repudio, inconformismo e admiração. Mas o que não pode escapar é outro dado no que diz respeito a sua simbologia ao representar esta dor ou prazer ser provocada por objetos pontiagudos, que são as flechas que mais remetem a símbolos fálicos.




Fim da parte 1.

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